sábado, 19 de agosto de 2017

0020 - Redescubra-se permanentemente a pólvora

Redescobrir a pólvora é o que acontece quando se diz que há que preservar o património, partilhar a investigação com o público, que o conhecimento científico visa tornar-se senso comum.

Mas, quando não se está numa excitada Primavera da vida, percebe-se que as “redescobertas” não são mais que a permanente necessidade de sublinhar os valores, as práticas, as políticas que se defendem, pois estas nunca estão garantidas para sempre… por mais que tenham sido anteriormente sublinhadas e praticadas.

Como disse alguém, coisas como os valores da Democracia nunca estão garantidos. Há que lutar por eles, apregoa-los, sempre que possível. Isto porque há nova gente todos os dias. Gente que não viveu o vivido e, por vezes, não tem a noção do que foi feito, num sentido ou noutro, e não se apercebe que não há conquistas garantidas. Claro que o que já foi escrito poderia elucidar. Mas para isso é preciso ler e saber.

Por exemplo, dizer que não se deve destruir vestígios que nos chegam de um passado mais ou menos distante e que são relevantes documentos da história comum, só pode ser uma banalidade. Uma redescoberta da pólvora. Mas é tão importante.

E mesmo assim não chega. E depois temos que ver notáveis pinturas neolíticas através de grades, para as protegerem de uns quantos imbecis que lhes escrevem ao lado os seus nomes (não da forma inconsciente da importância do ali pintado, como aconteceu com os que durante gerações gravaram ao lado de gravuras paleolíticas no Côa, mas de uma forma embrutecida que caracteriza quem vai ver património e o trata assim).


Mas estes não são os únicos. Há esses outros, que ainda não entenderam que há pólvoras que necessitam de permanente redescoberta, que nunca estão definitivamente descobertas. Por isso há toda uma tradição da investigação sociológica que resolveu começar a falar de “práticas sociais”, um permanente fazer e falar que possibilita a perpectuação do que se pretende perpectuar (ou quando muito o lento resultado da água em pedra dura). Apregoar a proteção do património, a sua divulgação e partilha com o público é uma delas. E todos os que partilham desse valor deverão fazê-lo. Sempre que possível. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

0019- Here comes the sun

A iniciar o restauro de um Sol neolítico, uma forma de ir simultaneamente pensando, também com as mãos, sobre um aspecto das iconografias do Neolítico Final / Calcolítico (atenção, que a ideia de que o resto do corpo não participa nas tarefas do pensar é puro equívoco).


Acompanhado por uma Guinness, naturalmente.

domingo, 6 de agosto de 2017

018 - Recordar a estética da abdicação

Hoje, por razões que não interessam para o efeito, lembrei-me da Estética da Abdicação de Bernardo Soares (Livro do Desassossego).

"Ao homem superiormente inteligente não resta hoje outro caminho que o da abdicação."

"Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria.(...) Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar."

Para a seguir se dizer:

"Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra, mas onde está o palácio se o não fizerem ali?"

Mas logo acrescentar:

"O meu orgulho lapidado por cegos e a minha desilusão pisada por mendigos. Quero-te só para sonho."

E reconheço nesta estética um exemplo da insustentável leveza do ser num planeta com gravidade.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

017 - A minha primeira escavação

Foi há 35 anos: 1982, no dólmen de São Pedro de Dias, dirigida por J.C. Senna-Martinez.
Tinha acabado o primeiro ano do curso de História iniciado em 1981 e, durante o ano, havia sido "desviado" para a Arqueologia.


(O "exibicionista" não sou eu.)

As circunstâncias eram de grande voluntarismo e o espírito não se importava (até achava piada) com condições logísticas.


E o fogo veio (voltaria a vir em Setembro na minha segunda escavação).


O acampamento teve de ser levantado de urgência, a escavação ficou queimada e o meu ânimo pela Arqueologia pegou fogo. E apesar de algumas tentativas esforçadas para o apagar de quando em quando, e de momentos em que o combustível rareou, ele continua a arder.

De facto, há fogos que são difíceis de apagar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

015 - Há 10 anos nos Perdigões


A minha vida estava a mudar pessoal e profissionalmente e nos Perdigões as escavações também. Iniciavam-se as campanhas de investigação no interior dos recintos e novas dinâmicas na organização do projecto global de investigação. Neste caso o sector I, onde se sondaram os fosso 3 e 4. Ainda participaram alguns amigos e colegas que, longe, continuam perto. Já os óculos escuros, graduados, foram fora. A idade não perdoa. Foi só uma década, mas parece muito mais. É a aceleração do tempo histórico, que ainda não  me decidi se nos deixa mais ricos ou mais pobres.